Naquele dia, a Maria aproximou-se dele e teve vontade de lhe bradar todo o discurso que havia ensaiado vezes e vezes sem conta. Teria de escolher um tom suficientemente adequado para lhe chegar ao coração. Caso contrário tudo iria manter-se como tinha sido até então.
Encheu-se de coragem, respirou fundo e fez rever na sua cabeça as palavras que já tanto tinha ecoado.
«Já pensaste no número de vezes em que me disseste “eu só não quero magoar-te”? Na quantidade de ocasiões em que deixaste de dizer, de agir, de ser sincero só porque “não te quero magoar”?
Suponho que não mo tenhas dito somente a mim. Não me julgo suficientemente especial aos teus olhos. E se assim é, pergunto-me quantas vezes deixaste tu de viver a tua vida para supostamente te impedires a ti próprio de “magoar” alguém.
Aceita um conselho de quem gostaria apenas que as coisas fossem diferentes. Não tenhas medo de magoar os outros, não te impeças de viver e muito menos de ser tu próprio. Acredita que, às vezes, a única coisa que quero é que me deixes decidir. Decidir por mim, sem pensar em mais nada. Sim, porque eu também posso escolher! Deixa-nos pelo menos tentar, deixa-nos viver.
E depois? Depois logo se vê.»
Depois de alguns momentos de silêncio, percebeu que provavelmente de nada adiantaria falar. E, do mesmo modo, também ela fez aquilo que, por tanto tempo, a incomodou. Também ela cedeu à tentação de se impedir de viver só para não ferir ninguém.
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